sexta-feira, março 10, 2006

Não basta ser honesto

A ultima sessão administrativa foi especialmente tumultuada.
Um novo membro da mega-igreja questionara a prestação de contas apresentada à assembléia pelo pastor referente a sua última viagem .
“Senhor presidente, gostaria que o relator da comissão de exame de contas explicasse a que se refere essa despesa de US$ 15.000 de aluguel de limousines e essa outra despesa de US$ 45.000 de fretamento de helicóptero”.
O relator engoliu em sêco, gaguejou e o próprio pastor Premium veio em seu socorro. “Calma, meus irmãos. Não deixemos que o veneno da desconfiança e da maledicência invada nossa mega-igreja. Cada centavo gasto nessa viagem foi um investimento na propagação do Reino de Deus”.
“Os verdadeiros cristãos, crentes legítimos, membros da mega-igreja tem essa certeza em seus corações. O irmão não tem essa certeza?”, desafiou, dirigindo-se ao jovem questionador.
“Insisto que gostaria de ouvir a palavra do relator da comissão”, devolveu o rapaz.
O pastor Premium, visivelmente irritado com a impertinência daquele insolente, subiu o tom: “Meu jovem, quem está falando com o irmão é o presidente da mega-igreja, o pastor Premium. Sou um obreiro escolhido por Deus, à frente do ministério dessa mega-igreja. O irmão já ouviu falar em submissão aos líderes?”.
“E o pastor Premium já ouviu falar em prestação de contas?”, encerrou ele, se retirando do plenário.
Naquele MCSmo dia houve uma reunião na Ministry CEO Room, no oitavo andar.
Toda a alta diretoria da mega-igreja estava reunida.
O pastor Premium estava agitado, andando de um lado para o outro.
Ele começou a reunião indo direto ao assunto.
“Temos que encontrar um jeito de acabar com essa história de assembléia administrativa. Isso é um atraso! Quer dizer que qualquer um pode se levantar e começar a questionar minhas, digo, nossas decisões? Isso não existe”.
O consultor jurídico da mega-igreja, um dos maiores advogados da cidade, jurista conceituado, foi claro: “É exatamente assim que funciona, pastor Premium. Qualquer membro da mega-igreja pode pedir esclarecimento sobre os assuntos levados à assembléia”.
O tom definitivo que o jurista deu ao assunto causou um certo desconforto na diretoria. Quer dizer que existe o risco de algum membro se levantar na sessão e contestar as passagens de primeira classe, as hospedagens em hotéis cinco estrelas e as notas de compras nos free-shops dos aeroportos?
E o que dizer das despesas com blindagem dos carros do pastor Premium e de sua família e a locação do jato executivo?
Essa possibilidade fez o pastor Premium decretar que a forma como a assembléia administrativa era realizada teria que ser revista.
A principal mudança é que as assembléias administrativas acabariam e as decisões relevantes seriam tomadas pela alta diretoria e informadas à mega-igreja, se assim fosse necessário.
Prestações de contas, balanços, relatórios financeiros e aprovação de orçamentos, por ser assuntos que, pela própria natureza, levam alguns irmãos a serem “excessivamente zelosos”, segundo palavras do pastor Premium, passariam a ser decididos pelo pastor Premium e seu assessor, o pastor Platinum.
Como homens segundo o coração de Deus, obedientes a recomendação do Espírito Santo, a mega-igreja podia confiar neles de forma irrestrita.
Em todos os assuntos, contudo, a palavra definitiva caberia ao pastor Premium.
O grande temor da alta diretoria é que a alteração do estatuto da mega-igreja, necessária face a mudança pretendida, fosse algo tumultuado.
Mas o pastor Premium mais uma vez comprovou sua habilidade, convocando uma sessão extraordinária durante o culto das 03h da madrugada e pôde aprovar a reforma do estatuto com a aprovação unânime de cinco sonolentos membros.

Um comentário:

Anônimo disse...

Boa, Washington...

to começando a ler e to gostando...

Gostei, principalmente, dos Pastores Premium e Platinum... hehehehe