quinta-feira, março 02, 2006

Lançai as redes


O staff da mega-igreja havia se reunido com o CEO da área de prospecção evangelística e este conseguira convencer a todos da infalibilidade de sua estratégia.
A mega-igreja ainda não conseguira atrair um número significativo de visitantes de um novo condomínio recém-inaugurado, dedicado a alta classe média.
Todos os esforços anteriores revelaram-se pouco eficazes.
Os recursos normalmente utilizados, como mala direta (belíssima, confeccionada em papel gouche de alta qualidade), convites personalizados (caríssimos, impressos em papel importado) e até mesmo o serviço de call-center estavam se revelando perda de tempo – e de recursos, o que irritava profundamente o pastor Premium.
A estatégia consistia em organizar um mega-culto de prospecção evangelística estruturada.
“Você quer dizer um culto evangelístico?”, perguntou um diácono idoso, tentando traduzir o termo em algo inteligível para ele.
“É muito, muito mais do que isso, meu bom homem”, retrucou o pastor Premium, pousando a mão em seu ombro.
A idéia era convidar alguém que fosse interessante para o público alvo, adequar um pouco a liturgia, usar cânticos de fácil assimilação e pronto!
“Genial! Vamos ao trabalho”, bradou o pastor Premium, encerrando a reunião.

O CEO da área de prospecção evangelística olhava pelo imenso janelão da sala do CEO Ministry Room, no oitavo andar, contemplando com satisfação a chegada de muitos visitantes para o I Open Door Workship (Culto de Portas Abertas), inteiramente dedicado a prospecção e captação de novos colaboradores, digo, membros.
Os recepcionistas – todos contratados de uma empresa de modelos - foram escolhidos a dedo. As moças e rapazes, vestidos com sobriedade e elegância deveriam abordar os convidados, saudando-os e entregando-lhes os programas que mais pareciam caras revistas.
O som da mega-igreja já estava ligado, fazendo ecoar por toda a nave o som contemporâneo de grupos instrumentais, a maioria não evangélicos.
Os guardadores de automóveis tiveram que se desdobrar para cuidar de tantos carros, ante o olhar atento do supervisor.
No horário marcado, as luzes do salão foram apagadas.
Na escuridão, a voz possante de um locutor especialmente contratado estremece as imensas paredes de vidro do salão anunciando a plenos pulmões: “Sejam todos muito bem-vindos ao I Open Door Workship!”.
Em seguida, uma pirotecnia de luz e cores acompanha o grupo de coreografia “Joshua Angels”, formado por profissionais de dança e teatro, alguns evangélicos.
A diretora do grupo, uma diretora de uma das companhias de dança mais conceituadas do mercado havia sido contratada a peso de ouro, após um autêntico “leilão” com outra mega-igreja.
A apresentação, de cerca de meia hora, encanta aos presentes.
Imediatamente após a saída do grupo, o CEO da área de prospecção evangelística vai ao palco falar sobre a imensa satisfação de receber pessoas tão simpáticas na mega-igreja.
Ele ainda conta algumas piadas, comenta sobre futebol, repete alguns bordões da novela das oito e conclui anunciando uma surpresa, alguém que iria trazer uma forte palavra de testemunho para eles.
Apagam-se as luzes e o canhão focaliza um homem com um elegante terno, que começa a andar com desenvoltura pelo palco enquanto narra sua trajetória de vida marcada por envolvimentos por romances com mulheres casadas, atrizes famosas – todas devidamente citadas pelo nome – e complicações com a justiça.
Ele passa cerca de vinte minutos falando de sua vida pregressa com detalhes, alguns escabrosos e, e aos 50 segundos do 19º minuto, fala de sua decisão ao participar de um culto na mega-igreja, concluindo: “Agora sou um vencedor!”.
Os aplausos efusivos foram puxados pelo CEO da área de prospecção evangelística, que surge no palco e retoma a palavra.
“Eu sei que vocês hoje vieram até aqui buscando movimento, agitação e então, agora vamos agitar!”, berra ele ao microfone.
As luzes do palco são acesas, revelando o imenso arsenal de instrumentos e equipamentos musicais espalhados pelo palco.
Ouve-se o tradicional “um, dois, três” e uma avalanche sonora toma conta da mega-igreja, com uma banda liderada por um casal algo exótico.
Ele usa uma camiseta vermelha com algo parecido com uma abelha gigante amarela, um bermuda lilás dois números acima e tênis Nike Air colorido.
Ela usa uma saia curta sobre uma malha verde néon e blusa de manga comprida preta. O detalhe fica por conta dos óculos modelo gatinho.
Cada um a seu modo ajuda a “descontrair” os visitantes.
“Vamos lá, gente, é pra pular!”.
Num dos cantos da nave surge um “trenzinho”, comandado por um dos integrantes do grupo, um sujeito com uns dois metros de altura, extremamente pálido, careca, usando um uniforme militar estilizado e coturnos iguais ao do exército, só que na cor laranja.
O “trenzinho” arrasta os últimos que ainda estavam sentados nas cadeiras estofadas, enquanto no palco o casal comandava as coreografias.
“Agora com as mãos para o alto, assim!”.
“Agora joga os braços pra cima, pra direita. Bonito!”
“Agora joga os braços pra baixo, pra esquerda. Abalou!”
Aqui e ali surgem sprays de espuma, fornecidos sabe-se lá por quem e com quais intenções.
“Agora vamos fazer bem bonito que é pra acabar!”, anuncia o casal, enquanto pula de mãos dadas.
Após quarenta minutos, a banda encerra sua parte, cantando uma versão apoteótica de “My sweet Lord”, do ex-beatle George Harrison, com uma letra pseudo-evangélica.
O CEO da área de prospecção evangelística volta ao palco, dessa vez para apresentar o pastor Premium, o líder inconteste da mega-igreja, saudado por palmas lideradas pelo próprio.
Elegantemente trajado num belíssimo terno Armani, ele ocupa o centro do palco, que num efeito cuidadosamente preparado pela equipe de som e luz, começa a escurecer enquanto o foco de luz vai se tornando mais concentrado e brilhante sobre ele.
“Poderia falar horas e horas sobre o que a mega-igreja tem para oferecer a todos vocês, meus queridos, mas as imagens são mais fortes e poderosas do que palavras”, diz, enquanto um telão de tamanho descomunal desce lentamente às suas costas.
O salão fica então inteiramente às escuras.
As cenas inicias do filme mostram tomadas aéreas, num sobrevôo por um imenso gramado e depois um canteiro de lírios.
Uma música suave enche o ambiente, e a voz firme do narrador começa as perguntas: “Como é a sua vida? Você quer ser um vitorioso? Um líder? Um conquistador?”.
A resposta vem logo a seguir: “Então venha para a mega-igreja”.No fundo do palco, em meio a penumbra, o CEO olha para o pastor Premium e faz um sinal de positivo com a mão.O staff da mega-igreja havia se reunido com o CEO da área de prospecção evangelística e este conseguira convencer a todos da infalibilidade de sua estratégia.
A mega-igreja ainda não conseguira atrair um número significativo de visitantes de um novo condomínio recém-inaugurado, dedicado a alta classe média.
Todos os esforços anteriores revelaram-se pouco eficazes.
Os recursos normalmente utilizados, como mala direta (belíssima, confeccionada em papel gouche de alta qualidade), convites personalizados (caríssimos, impressos em papel importado) e até mesmo o serviço de call-center estavam se revelando perda de tempo – e de recursos, o que irritava profundamente o pastor Premium.
A estatégia consistia em organizar um mega-culto de prospecção evangelística estruturada.
“Você quer dizer um culto evangelístico?”, perguntou um colaborador idoso, tentando traduzir o termo em algo inteligível para ele.
“É muito, muito mais do que isso, meu bom homem”, retrucou o pastor Premium, pousando a mão em seu ombro.
A idéia era convidar alguém que fosse interessante para o público alvo, adequar um pouco a liturgia, usar cânticos de fácil assimilação e pronto!
“Genial! Vamos ao trabalho”, bradou o pastor Premium, encerrando a reunião.

O CEO da área de prospecção evangelística olhava pelo imenso janelão da sala do CEO Ministry Room, no oitavo andar, contemplando com satisfação a chegada de muitos visitantes para o I Open Door Workship (Culto de Portas Abertas), inteiramente dedicado a prospecção e captação de novos colaboradores.
Os recepcionistas – todos contratados de uma empresa de modelos - foram escolhidos a dedo.
As moças e rapazes, vestidos com sobriedade e elegância deveriam abordar os convidados, saudando-os e entregando-lhes os programas que mais pareciam caras revistas.
O som da mega-igreja já estava ligado, fazendo ecoar por toda a nave o som contemporâneo de grupos instrumentais, a maioria não evangélicos.
Os guardadores de automóveis tiveram que se desdobrar para cuidar de tantos carros, ante o olhar atento do supervisor.
No horário marcado, as luzes do salão foram apagadas.
Na escuridão, a voz possante de um locutor especialmente contratado estremece as imensas paredes de vidro do salão anunciando a plenos pulmões: “Sejam todos muito bem-vindos ao I Open Door Workship!”.
Em seguida, uma pirotecnia de luz e cores acompanha o grupo de coreografia “Joshua Angels”, formado por profissionais de dança e teatro, alguns evangélicos.
A diretora do grupo, uma diretora de uma das companhias de dança mais conceituadas do mercado havia sido contratada a peso de ouro, após um autêntico “leilão” com outra mega-igreja.
A apresentação, de cerca de meia hora, encanta aos presentes.
Imediatamente após a saída do grupo, o CEO da área de prospecção evangelística vai ao palco falar sobre a imensa satisfação de receber pessoas tão simpáticas na mega-igreja.
Ele ainda conta algumas piadas, comenta sobre futebol, repete alguns bordões da novela das oito e conclui anunciando uma surpresa, alguém que iria trazer uma forte palavra de testemunho para eles.
Apagam-se as luzes e o canhão focaliza um homem com um elegante terno, que começa a andar com desenvoltura pelo palco enquanto narra sua trajetória de vida marcada por envolvimentos por romances com mulheres casadas, atrizes famosas – todas devidamente citadas pelo nome – e complicações com a justiça.
Ele passa cerca de vinte minutos falando de sua vida pregressa com detalhes, alguns escabrosos e, e aos 50 segundos do 19º minuto, fala de sua decisão ao participar de um culto na mega-igreja, concluindo: “Agora sou um vencedor!”.
Os aplausos efusivos foram puxados pelo CEO da área de prospecção evangelística, que surge no palco e retoma a palavra.
“Eu sei que vocês hoje vieram até aqui buscando movimento, agitação e então, agora vamos agitar!”, berra ele ao microfone.
As luzes do palco são acesas, revelando o imenso arsenal de instrumentos e equipamentos musicais espalhados pelo palco.
Ouve-se o tradicional “um, dois, três” e uma avalanche sonora toma conta da mega-igreja, com uma banda liderada por um casal algo exótico.
Ele usa uma camiseta vermelha com algo parecido com uma abelha gigante amarela, um bermuda lilás dois números acima e tênis Nike Air colorido.
Ela usa uma saia curta sobre uma malha verde néon e blusa de manga comprida preta. O detalhe fica por conta dos óculos modelo gatinho.
Cada um a seu modo ajuda a “descontrair” os visitantes.
“Vamos lá, gente, é pra pular!”.
Num dos cantos da nave surge um “trenzinho”, comandado por um dos integrantes do grupo, um sujeito com uns dois metros de altura, extremamente pálido, careca, usando um uniforme militar estilizado e coturnos iguais ao do exército, só que na cor laranja.
O “trenzinho” arrasta os últimos que ainda estavam sentados nas cadeiras estofadas, enquanto no palco o casal comandava as coreografias.
“Agora com as mãos para o alto, assim!”.
“Agora joga os braços pra cima, pra direita. Bonito!”
“Agora joga os braços pra baixo, pra esquerda. Abalou!”
Aqui e ali surgem sprays de espuma, fornecidos sabe-se lá por quem e com quais intenções.
“Agora vamos fazer bem bonito que é pra acabar!”, anuncia o casal, enquanto pula de mãos dadas.
Após quarenta minutos, a banda encerra sua parte, cantando uma versão apoteótica de “My sweet Lord”, do ex-beatle George Harrison, com uma letra pseudo-evangélica.
O CEO da área de prospecção evangelística volta ao palco, dessa vez para apresentar o pastor Premium, o líder inconteste da mega-igreja, saudado por palmas lideradas pelo próprio.
Elegantemente trajado num belíssimo terno Armani, ele ocupa o centro do palco, que num efeito cuidadosamente preparado pela equipe de som e luz, começa a escurecer enquanto o foco de luz vai se tornando mais concentrado e brilhante sobre ele.
“Poderia falar horas e horas sobre o que a mega-igreja tem para oferecer a todos vocês, meus queridos, mas as imagens são mais fortes e poderosas do que palavras”, diz, enquanto um telão de tamanho descomunal desce lentamente às suas costas.
O salão fica então inteiramente às escuras.
As cenas inicias do filme mostram tomadas aéreas, num sobrevôo por um imenso gramado e depois um canteiro de lírios.
Uma música suave enche o ambiente, e a voz firme do narrador começa as perguntas: “Como é a sua vida? Você quer ser um vitorioso? Um líder? Um conquistador?”.
A resposta vem logo a seguir: “Então venha para a mega-igreja”.No fundo do palco, em meio a penumbra, o CEO olha para o pastor Premium e faz um sinal de positivo com a mão.

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